"Como poderia confessar a deficiência de um sentido que em mim deveria ser mais perfeito do que nos outros, de um sentido que outrora possuí em sua mais alta perfeição, uma perfeição que poucos músicos já tiveram?" (Testamento de Heiligenstadt, 1802)
Com esse trecho do testamento de Beethoven que dou partida nessa postagem cheia de emoções. Nesse documento em que o compositor expõe toda a sua angustia pela surdez em evolução e seu sofrimento perante as convenções da sociedade, ele não imaginara que viveria mais 25 anos e escreveria obras tocadas até hoje. Como se sentiria um músico\compositor que começa a ter sinais de surdez aos 25 anos ? Como se sentiria um pintor que ficasse cego ? Como se sentiria qualquer artista que fosse barrado de "sentir", pelo maior canal, a sua arte? Não tenho resposta, mas Beethoven expressara tudo isso em sua música e hoje vamos escutar, apreciar e entender um pouco sobre a Sonata para Piano Op. 27 Nº2, mais conhecida como: SONATA AO LUAR.
Vamos começar pelos termos técnicos para aqueles não habituados. "Op." significa Opus ( Obra ). Serve como padrão de catálogo cronológico. Op. 1 - seria a primeira obra catalogada - Op. 2 a segunda e assim por diante. Lembrando que o catálogo é sempre feito por uma terceira pessoa e às vezes essa pessoa o auto-intitula, como é o caso das obras de Mozart que são catalogadas por Köechel e recebem a letra "K" antes do número: K.545. O Compositor, por ventura, pode compor uma série de obras na sequência e isso acaba sendo embutido num Opus só e separado por números. Exemplo: Op.2 Nº 3, Significa que é a segunda obra catalogada e a terceira da série composta, por isso o numero 3.
Voltando a nossa linda obra, ela foi composta em 1801, dedicada a aristocrata Giulietta Guicciardi. Beethoven lecionava piano a donzela e ela conquista seu coração, porém ele se vê distante de um possível casamento pois a família da moça preza por homens influentes e não músicos pobres. Por fim, Beethoven sofre por amor e sofre pela patologia que o ataca. O título "Ao Luar" fora dado após a sua morte, por algum crítico que disse ter remetido a imagem de um lago refletindo a luz da lua ao escutar a sonata, e com isso ela ganha o apelido.
(Giulietta Guicciardi) |
Para falar um pouco da forma da peça, temos uma sonata em 3 movimentos muito originais. O primeiro movimento lento, que é raro em uma sonata, retrata todo o sentimento do compositor e carrega o peso da fama desta obra, o que muitas vezes embaça o seu significado. No seu segundo movimento, temos uma atmosfera completamente diferente, mais vivo e brilhante, e alguns autores sugerem que ele expressa a personalidade de Giullieta. O terceiro movimento é arrebatador! Construido na forma sonata, ele expande as tercinas do primeiro movimento de tal forma como o coração de Beethoven estava sendo rasgado naquele momento de sua vida.
É importante analisar as obras desse período de transição, e do Romantismo, com um alto grau de individualidade. É necessário retirar da vida, e influências, do compositor qualquer vestígio que nos leve a entender o porquê de tal novidade ou mudança. Beethoven certamente é o maior exemplo de turbilhão de sentimentos implodidos na música. Boa Escuta!